Proposta de criar mandatos no STF ganha força na Corte e no Congresso Ao menos quatro ministros do Supremo se dizem favoráveis à mudança
A proposta de impor mandatos a membros de tribunais superiores, inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF), tem ganhado força entre integrantes das principais Cortes do país e no Parlamento.
Pelo menos quatro ministros do Supremo se dizem favoráveis à mudança — três deles na condição de anonimato. No Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), vem sinalizando disposição em pautar projeto sobre o tema.
Não há consenso sobre a extensão do mandato a ser imposto e a discussão passa por propostas que vão de oito a 16 anos. Em geral, juristas apenas concordam que a medida só deve valer para futuras indicações, como forma de afastar o argumento de que a regra seria inconstitucional.
Uma PEC que estabelece mandato a magistrados, apresentada pelo senador Plínio Valério (PSDB-AM), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, aguarda para ser votada no Senado. O projeto fixa o prazo de atuação no STF em oito anos, sem direito à recondução. Para o senador, o mandato vitalício, com aposentadoria compulsória aos 75 anos — conforme a regra atual — dá muito poder aos ministros.
Recentemente, Pacheco vem dando sinais de que pode incluir a proposta entre suas prioridades para este ano. Debater mudanças no STF foi promessa de sua campanha num aceno aos votos de senadores bolsonaristas para sua recondução à presidência da Casa.
— A discussão de mandato para ministros do STF, que existe em outros países, também pode haver no Parlamento. O ponto fundamental é trazer o próprio Supremo para a discussão. Sei que estão todos abertos para o debate — afirmou Pacheco.
Debatido há décadas em diferentes esferas da República, o tema ganhou fôlego na semana passada. Na ocasião, o ministro do STF Ricardo Lewandowski, que se aposenta em maio, defendeu a medida durante evento, com argumento de “oxigenar a jurisprudência” dos tribunais.
— Eu sempre advoguei a favor do mandato para membros dos tribunais superiores. Em uma República é preciso haver rotatividade nos cargos públicos, e na magistratura não pode ser diferente. É uma ideia que sempre defendi, não é sobre a PEC que tramita no Congresso — afirmou o ministro em solenidade na Associação Paulista dos Magistrados.
Outros integrantes do Supremo fazem coro ao colega. Um deles disse ao GLOBO, reservadamente, que “dez anos é tempo suficiente para deixar um legado”.
Embora o tempo de permanência de ministros no Supremo seja discutido há anos, ele se tornou recentemente uma bandeira dos bolsonaristas. No governo passado, o assunto era frequentemente alçado às discussões no Congresso como meio de intimidar integrantes do Judiciário, sobretudo do STF. Ao longo do mandato, o ex-presidente Jair Bolsonaro protagonizou reiterados ataques a magistrados de ambas as Cortes.
Nesse cenário, ministros ouvidos pelo GLOBO, embora destaquem que o debate é legítimo, têm dúvidas se este seria o momento oportuno. Essa ala teme que a discussão acabe desvirtuada pelo ativismo dos bolsonaristas, visto que a eleição de 2022 ampliou as bancadas conservadoras do Congresso. Há a preocupação de recrudescer iniciativas punitivistas defendidas por Bolsonaro e seus aliados contra o Judiciário.
A tese é abraçada também por especialistas nas relações entre os três Poderes. Juristas ouvidos pelo GLOBO defendem que a conjuntura de esgarçamento das relações entre o Judiciário, Legislativo e o Executivo nos últimos anos podem contaminar um eventual debate sobre o mérito de projetos que queiram aprimorar ou alterar o funcionamento da Suprema Corte.
— Os recentes conflitos institucionais entre o Executivo e o Judiciário deixaram cicatrizes. Há um risco embutido de descambar para alguma alteração por emenda que pode comprometer a independência do Judiciário — disse.
Na Câmara, em uma discussão paralela, o presidente Arthur Lira (PP-AL) vem se posicionando contra a judicialização de propostas aprovadas por ampla maioria pelo Congresso e barradas por votações apertadas no STF ou por decisões liminares monocráticas. A Casa tem duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs) e seis projetos de lei no radar sobre o tema.
— Essas questões, quando mexem na vida financeira, (uma votação) por 6 a 5 fragiliza a decisão. Deveria ter maioria absoluta de 3/5 do Supremo — disse Lira no mês passado, ao comentar decisão do Supremo que permitiu a cobrança de impostos de empresas que deixaram de pagar por decisão da Justiça.
— Pacheco já falou que parte do Parlamento acha que o STF extrapola funções, mas que o Congresso não deveria adotar uma postura revanchista. A escolha de um ministro ganhou amplitude. Envolve não mais só a Presidência e o Senado, mas toda uma movimentação popular — disse.
O que diz a PEC 16:
Os ministros do STF passarão a ter mandatos de oito anos, sem direito à recondução. Hoje, ministros da Corte têm mandato vitalício, com aposentadoria aos 75 anos
Quando surgir uma vaga, o presidente terá um mês para indicar um novo nome e o Senado Federal terá 120 dias para sabatinar o candidato e votar a indicação
Se o presidente não fizer a indicação dentro de 30 dias, a escolha caberá ao Senado, também em até 120 dias
A indicação do futuro ministro passará a trancar a pauta de votações do Senado se não for votada dentro do prazo; a aprovação deve ser por maioria absoluta
Se o nome for aprovado pelo Senado, o presidente da República terá dez dias para nomear o novo ministro
O texto, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM), está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado desde 17 de fevereiro deste ano
O autor da PEC argumenta que o objetivo é evitar mudanças significativas na composição do STF em um curto espaço de tempo que podem ameaçar a segurança institucional
Como funciona em outros países:
Estados Unidos: A Corte é composta por nove juízes com mandato vitalício, enquanto tiverem “boa conduta”, segundo a Constituição americana. Dezesseis anos é a média histórica de tempo de permanência no cargo. O mandato mais longevo é de Johhn Marshall, que ocupou uma cadeira por 34 anos, cinco meses e 11 dias entre 1801 e 1835.
Argentina: Cinco juízes compõem a Corte, ocupando o cargo até os 75 anos de idade. Quando atingem o limite de idade, podem solicitar ao Ministério da Justiça uma nova nomeação para permanecer no cargo — o pedido pode ser recusado.
França: A Corte, formada por nove membros com mandato de nove anos não prorrogável, é renovada em um terço a cada três anos. Entre os nove juízes, três são nomeados pelo presidente da República, três pelo presidente da Assembleia Nacional e três pelo presidente do Senado.
Alemanha: Formada por 16 membros, nomeados pelo ministro da Justiça em conjunto com o Comitê Eleitoral dos Juízes. O mandato dura 12 anos ou quando o juiz atinge a idade de aposentadoria de 68 anos.
Portugal: Os treze membros do Tribunal Constitucional têm mandato de nove anos não renovável. Dez deles são designados pela Assembleia da República e três são escolhidos pela própria Corte.