Gastos públicos elevados e denúncias de abuso marcam visita do papa a Portugal Jornada Mundial da Juventude começa nesta quarta e atrai críticas pelos valores exorbitantes utilizados para a realização do evento; vítimas de sacerdotes querem aproveitar para denunciar abusos na Igreja
Alguns temas polêmicos para a Igreja Católica se tornaram assunto de destaque nos últimos dias em Portugal, onde o Papa Francisco é esperado para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Em meio aos preparativos e à expectativa para receber o Pontífice, pipocaram críticas de gastos públicos excessivos na organização do evento, que começa nesta quarta-feira (02).
A estimativa é que a JMJ tenha custado cerca de 36 milhões de euros (equivalente a R$ 190 milhões). Os gastos elevados têm atraído a ira da população e alguns protestos foram registrados nas últimas semanas.
A mais inusitada ocorreu na semana passada. Um artista plástico criou um comprido tapete com a estampa de notas de 500 euros, que foi deixado sobre a escadaria do auditório que será utilizado pelo papa e peregrinos.
“Num estado laico, num momento em que muitas pessoas lutam para manter as suas casas, o seu trabalho e a sua dignidade, decide investir-se milhões do dinheiro público para patrocinar a tour da multinacional italiana”, afirmou o autor da obra, Artur Bordalo, em seu perfil no Instagram.
Abusos na Igreja
Outro tema ainda mais delicado que vem sendo discutido são as incontáveis denúncias de abusos praticados por integrantes da Igreja Católica, especialmente por sacerdotes. Muitas vítimas esperam que o evento seja utilizado como canal para propagar as denúncias.
Filipa Almeida tinha 17 anos quando foi abusada sexualmente por um padre. Ela ficou em silêncio por anos, mas finalmente encontrou forças para falar e espera que uma visita do papa Francisco a Portugal, sua terra natal, nesta semana, lembre o mundo de milhares de crimes semelhantes.
“Eu vivi com esse segredo por 22 anos”, disse a mulher de 43 anos sobre sua provação, que ela afirmou ter ocorrido durante um curso de treinamento religioso. “Não é fácil viver com essas experiências.”
Ela é uma das pelo menos 4.815 pessoas que foram abusadas sexualmente pelo clero – a maioria padres – em Portugal ao longo de 70 anos, segundo uma investigação divulgada em fevereiro. A comissão responsável disse que isso era apenas a “ponta do iceberg” e que mais de 100 padres suspeitos de abuso sexual de crianças continuavam ativos em cargos na igreja.
Falando antes da chegada do papa, marcada para a manhã desta quarta-feira, o patriarca de Lisboa Manuel Clemente disse que o compromisso da igreja portuguesa em resolver o problema é “total”.
Mas Filipa Almeida afirmou que a visita estava apenas destacando a falta de progresso.
Reação da Igreja
A Igreja recebeu a lista de suspeitos em março, prometeu investigar e suspendeu alguns padres, mas alguns outros já voltaram às suas funções. Filipa disse que o padre que abusou dela não foi suspenso durante uma investigação.
A Conferência Episcopal Portuguesa afirmou que não pode suspender padres a menos que os fatos contra eles sejam claramente estabelecidos, mas que haverá “tolerância zero” para abusadores e seus facilitadores.
Nenhuma reparação está prevista, mas os bispos prometeram apoio “espiritual, psicológico e psiquiátrico”.
Filipa Almeida e outras duas vítimas criaram a associação Coração Silenciado, que dá voz e apoio a vítimas de abuso. “A única coisa que nos ajuda é fazer com que outras vítimas sintam que não estão sozinhas”, disse ela.
Francisco, que visita Portugal para participar de um encontro global de jovens católicos conhecido como Jornada Mundial da Juventude, deve se encontrar em particular com vítimas de abuso.
A associação de Filipa não foi convidada, mas ela ainda vê o evento como uma oportunidade para “enfrentar o problema” e alertar sobre os sinais de alerta de abuso e incentivar as vítimas a denunciar.
“Haverá jovens de todo o mundo e a realidade (do abuso) está presente em todos os continentes”, disse ela. “É uma grande oportunidade para a igreja fazer algo.”
(Publicado por Fábio Mendes, com informações da CNN Portugal e da Reuters)